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Dom Anuar Batisti
Formado em filosofia no Paraná e em teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, Dom Anuar Battisti é Arcebispo Emérito de Maringá (PR). Em 15 de abril de 1998, por escolha do papa João Paulo II, foi nomeado bispo diocesano de Toledo, sendo empossado no mesmo dia da ordenação episcopal, em 20 de junho daquele ano. Em 2009 recebeu o título de Doutor Honoris Causa, um dos mais importantes, concedidos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Em 2007, foi presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Sagrada, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em 2015, foi membro do Conselho Administrativo da Pastoral da Criança Internacional e, ainda na CNBB, foi delegado suplente. No Conselho Episcopal Latino-Americano atuou como Presidente do Departamento das Vocações e Ministérios, até 2019.

Homilia – 14º Domingo do Tempo Comum – Ano C

Leituras: Is 66,10-14c; Sl 65(66); Gl 6,14-18; Lc 10,1-12.17-20

Irmãos e irmãs,

A liturgia deste 14º Domingo do Tempo Comum nos insere no coração da missão. O Evangelho segundo São Lucas nos apresenta Jesus enviando setenta e dois discípulos, dois a dois, às cidades e lugares onde Ele mesmo deveria ir. Essa missão, que já não é restrita apenas aos Doze, aponta para a vocação universal da Igreja: todos somos chamados a ser discípulos missionários. O envio é acompanhado de uma recomendação clara: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi, pois, ao dono da messe que mande trabalhadores para sua colheita” (Lc 10,2). O primeiro gesto do missionário não é sair correndo, mas rezar. A missão começa de joelhos, pedindo ao Senhor que envie operários.

Jesus orienta seus discípulos a irem como cordeiros em meio a lobos. Eles não devem levar bolsa, nem sacola, nem sandálias. O Senhor exige desapego, leveza e confiança total na providência. A missão cristã não se apoia em recursos materiais ou estruturas humanas, mas na força da Palavra e na fidelidade ao envio do Senhor. Ao entrarem em uma casa, devem dizer primeiro: “A paz esteja nesta casa!” (Lc 10,5). Não vão como acusadores, nem como agitadores, mas como portadores da paz. A missão nasce da experiência da paz de Cristo e deseja fazê-la chegar aos lares, às cidades, aos corações feridos. Se ali houver um filho da paz, esta permanecerá; senão, voltará a eles. O discípulo não perde nada ao anunciar; quem perde é quem fecha o coração à mensagem.

A resposta dos discípulos, ao voltarem da missão, é marcada por entusiasmo: “Senhor, até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome!” (Lc 10,17). A experiência do anúncio transforma, liberta, vence o mal. Jesus confirma essa vitória dizendo: “Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago” (Lc 10,18). Mas logo corrige a motivação: “Contudo, não vos alegreis porque os espíritos se vos submetem. Alegrai-vos antes porque vossos nomes estão escritos no céu” (Lc 10,20). A verdadeira alegria do discípulo não está nos resultados visíveis, mas na certeza de pertencer a Deus. O missionário não se gloria do que realiza, mas do amor com que foi alcançado.

A primeira leitura, do profeta Isaías, - Is 66,10-14c – oferece um contraponto poético e terno à dureza do caminho missionário. Jerusalém é descrita como uma mãe que consola seus filhos, e Deus afirma: “Como uma mãe consola o filho, assim eu vos consolarei” (Is 66,13). A imagem é forte: no centro da missão está a ternura de Deus. O povo de Deus, ainda sofrendo, recebe a promessa do consolo divino. Esse consolo é comparado à abundância de leite materno, ao carinho que embala e sustenta. O discípulo de Cristo, mesmo em meio às adversidades, experimenta esse consolo. E sua missão é ser também instrumento dele. A paz anunciada não é apenas ausência de conflitos, mas presença da ternura de Deus.

O salmo responsorial – Sl 65 – nos convida a proclamar com alegria: “Aclamai a Deus, terra inteira!”. A missão é, antes de tudo, um hino de louvor à fidelidade do Senhor. O salmista recorda as maravilhas que Deus realizou e convida o povo a anunciar seus feitos com júbilo. Quem experimenta a ação libertadora de Deus não pode guardar silêncio.

Na segunda leitura – Gl 6,14-18 –, São Paulo encerra sua carta aos Gálatas com palavras fortes. Ele afirma: “Quanto a mim, não pretendo gloriar-me a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6,14). Para o Apóstolo, a cruz é o verdadeiro sinal de pertença a Cristo. Ele não se orgulha dos rituais, nem da circuncisão, mas da entrega radical de Jesus por amor. A cruz molda o ser e o agir do missionário. Paulo chega a dizer: “Trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17), referindo-se às cicatrizes da perseguição e da fidelidade. Não há missão sem marcas. Mas essas marcas não são apenas feridas — são sinais de amor vivido e partilhado.

Queridos irmãos e irmãs, a missão continua hoje. Jesus continua a enviar-nos, em nossas famílias, comunidades, ambientes de trabalho, escolas, redes sociais, ruas e periferias. E Ele nos pede que não levemos excessos, que sejamos simples, que ofereçamos paz. Não é necessário fazer barulho, mas sim ser presença. E, sobretudo, que nossa alegria não dependa de aplausos ou resultados visíveis, mas da certeza de que nossos nomes estão escritos no céu. Pertencemos ao Senhor. Essa é nossa glória.

Que possamos viver esta liturgia como um novo envio. Que cada um de nós, onde estiver, seja sinal do consolo de Deus, testemunha da cruz de Cristo e mensageiro da paz do Evangelho. E que, no fim de cada dia, possamos dizer com gratidão: “O Senhor fez resplandecer sobre nós a luz de seu rosto. Bendito seja Deus que não rejeitou minha súplica nem afastou de mim o seu amor!” (cf. Sl 65,20). Amém.

+ Anuar Battisti Arcebispo Emérito de Maringá (PR) 

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