O jejum, na tradição cristã, não é uma simples prática de restrição de alimentos, mas um exercício espiritual de disciplina. Ele nos ajuda a controlar nossos desejos e a focar nas necessidades mais profundas da nossa alma. O jejum não é apenas sobre a privação de alimentos, mas também sobre a busca por uma intimidade maior com Deus. Ao nos abstermos de certos alimentos, estamos lembrando que a nossa verdadeira vida vem de Deus e que não devemos viver apenas de pão, mas de toda palavra que sai de Sua boca (Mateus 4,4).
A abstinência de carne, especialmente nas sextas-feiras durante a Quaresma, é uma prática tradicional que remonta à Igreja primitiva. Para os cristãos, a carne representa um alimento forte e, ao nos abster dela, buscamos lembrar do sacrifício de Cristo na Cruz. A carne, como alimento farto, simboliza o conforto e a abundância, e ao nos abstermos dela, manifestamos nosso desejo de renunciar aos excessos e focar na simplicidade e humildade, como Jesus fez.
Além disso, a abstinência de carne também nos ajuda a cultivar a solidariedade com os mais necessitados. Quando escolhemos uma alimentação mais simples, podemos dedicar aquilo que economizamos a obras de caridade e ajuda aos irmãos que vivem em situações de vulnerabilidade.
O jejum e a abstinência de carne são meios para nos aproximarmos mais de Deus e para vivermos um tempo de verdadeira conversão. Eles não devem ser vistos como um fim em si mesmos, mas como ferramentas para a purificação do coração e para a abertura à ação de Deus em nossas vidas. O jejum nos ajuda a descobrir onde estão nossas dependências e a trabalhar para superá-las. A abstinência de carne, por sua vez, nos convida a redescobrir o valor da moderação e da gratidão.
O Evangelho de Mateus nos ensina que o jejum deve ser feito de maneira discreta e sem ostentação (Mateus 6,16-18). O jejum não é para impressionar os outros, mas para fortalecer nossa relação com Deus. A verdadeira conversão não acontece no exterior, mas no coração. Jesus nos chama a viver a Quaresma com sinceridade, buscando a purificação interior.
Além da abstinência de carne nas sextas-feiras, é possível praticar outras formas de jejum que ajudam no crescimento espiritual. O jejum de alimentos não essenciais, como doces, bebidas alcoólicas ou produtos de consumo excessivo, também é uma forma de renunciar ao que nos prende a este mundo e de focar em nosso relacionamento com Deus.
Além disso, o jejum pode ser praticado de outras maneiras, como a abstenção de comportamentos egoístas, o jejum de palavras impensadas ou a abstenção do excesso de entretenimento e distrações.
Por fim, o jejum e a abstinência não são apenas atos de privação, mas também de libertação. Eles nos libertam das amarras do egoísmo, da avareza e do apego excessivo aos bens materiais. Eles nos convidam a viver a misericórdia de Deus, que se entregou por nós, e a sermos generosos, compartilhando o que temos com aqueles que mais necessitam.
A Quaresma é um tempo em que somos chamados a viver a conversão de forma mais profunda, através do jejum e da abstinência. Essas práticas nos ajudam a fortalecer nossa fé, a viver em maior solidariedade com os outros e a nos aproximar mais de Deus. Que durante este tempo de preparação para a Páscoa, possamos viver com mais intensidade o convite do Senhor, buscando a conversão do nosso coração e a verdadeira transformação em Cristo.
Que o jejum e a abstinência de carne, mais do que um sacrifício externo, se tornem uma expressão de nossa dedicação a Deus e de nosso desejo de viver conforme os ensinamentos de Cristo.
+Anuar Battisti Arcebispo Emérito de Maringá (PR)
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