Pular para o conteúdo principal

Quem sou eu

Minha foto
Dom Anuar Batisti
Formado em filosofia no Paraná e em teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, Dom Anuar Battisti é Arcebispo Emérito de Maringá (PR). Em 15 de abril de 1998, por escolha do papa João Paulo II, foi nomeado bispo diocesano de Toledo, sendo empossado no mesmo dia da ordenação episcopal, em 20 de junho daquele ano. Em 2009 recebeu o título de Doutor Honoris Causa, um dos mais importantes, concedidos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Em 2007, foi presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Sagrada, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em 2015, foi membro do Conselho Administrativo da Pastoral da Criança Internacional e, ainda na CNBB, foi delegado suplente. No Conselho Episcopal Latino-Americano atuou como Presidente do Departamento das Vocações e Ministérios, até 2019.

A Alegria do Evangelho: Um Programa Missionário para a Igreja do Século XXI

 




A Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (“A Alegria do Evangelho”), publicada pelo Papa Francisco em 24 de novembro de 2013, é um marco essencial do início de seu pontificado e se tornou um verdadeiro “programa” para a renovação missionária da Igreja. Nela, o Papa traça com clareza o caminho para uma Igreja mais próxima do povo, mais fiel ao Evangelho e mais comprometida com os pobres. Não se trata apenas de um documento entre tantos, mas de uma convocação vibrante e profética a todos os batizados: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG, 49).

O Papa inicia a exortação com uma afirmação decisiva: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus” (EG, 1). Essa alegria é fruto de um encontro pessoal com Cristo vivo, e dela nasce o impulso missionário. Não é possível evangelizar de maneira verdadeira sem essa alegria interior, que transforma a tristeza e o medo em ousadia e generosidade.

Francisco insiste que a evangelização não pode ser feita com o rosto fechado ou com o tom de quem impõe uma obrigação moral. Pelo contrário, ela deve revelar o rosto misericordioso de Deus, que convida com ternura e amor: “O bem tende sempre a comunicar-se… todo cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus” (EG, 9).

Um dos pilares centrais da Evangelii Gaudium é o chamado a sermos uma Igreja em saída. O Papa convoca todos — bispos, padres, diáconos, religiosos, leigos — a não se fecharem em estruturas ultrapassadas, mas a saírem ao encontro dos que mais precisam, onde quer que estejam: “Sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG, 20).

Essa saída exige conversão. Francisco propõe uma conversão pastoral e missionária, que toque todos os aspectos da vida e da organização eclesial: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal adequado para a evangelização do mundo atual” (EG, 27).

O coração da missão é o anúncio de Jesus Cristo. Francisco nos alerta contra o risco de colocar secundários no centro e esquece o essencial: “Há

que reiterar com frequência e vigor o primeiro anúncio: Jesus Cristo te ama, deu a sua vida para salvar-te e agora está vivo ao teu lado cada dia para iluminar-te, fortalecer-te, libertar-te” (EG, 164).

Esse anúncio deve ser feito com ternura, escuta, proximidade, sem proselitismo, respeitando o caminho de cada pessoa. A missão é uma proposta de vida, não uma imposição. Evangelizar é oferecer a experiência do amor de Deus que salva, que transforma e que gera fraternidade.

O Papa Francisco dedica parte substancial da exortação à dimensão social da evangelização, recordando que não há autêntico anúncio do Evangelho que ignore a realidade dos pobres e das injustiças sociais. “Desejo uma Igreja pobre para os pobres. Eles têm muito a ensinar-nos… temos de deixar-nos evangelizar por eles” (EG, 198).

A denúncia da “economia que mata” (EG, 53) e da “cultura do descarte” revela a preocupação profunda do Papa com o modo como a globalização gera desigualdades e marginalização. A evangelização, portanto, não pode ficar restrita ao templo ou à liturgia; ela deve estender-se à vida social, política, econômica, com base nos valores do Reino de Deus.

Francisco propõe um olhar crítico sobre as estruturas da Igreja, especialmente quando elas se tornam obstáculos para o encontro com Cristo. Ele fala de uma “Igreja em reforma”, capaz de descentralizar-se, valorizar as Igrejas locais, dar voz aos leigos e envolver toda a comunidade eclesial na missão.

Ele também aborda com coragem temas como o clericalismo, a função dos leigos, o papel das mulheres, a formação dos agentes de pastoral e a necessidade de maior simplicidade na pregação: “A homilia pode ser bela, mas se não provoca um encontro com Jesus vivo, corre o risco de ficar em palavras vazias” (EG, 138).

Francisco encerra a exortação com uma forte ênfase na espiritualidade missionária. Evangelizar não é fruto de técnica, mas de docilidade ao Espírito Santo, que conduz a Igreja com criatividade, ousadia e novidade. “O Espírito Santo enriquece toda a evangelização com diferentes carismas… é o protagonista autêntico da evangelização” (EG, 130).

Nesse sentido, a missão não pode ser vivida como um peso, mas como um ato de amor e liberdade, como expressão de uma Igreja que vive da alegria da ressurreição e deseja compartilhá-la com todos.

Passados mais de dez anos desde a publicação da Evangelii Gaudium, seu conteúdo continua profundamente atual. É uma exortação que nos move, nos questiona e nos inspira. O Papa Francisco, com sua linguagem simples e direta, conseguiu renovar a esperança missionária da Igreja no século XXI.

Cabe agora a cada comunidade, paróquia, diocese, grupo de base ou movimento, acolher esse apelo e traduzi-lo em ações concretas. Que possamos, com coragem e alegria, sair ao encontro do outro e anunciar, com a vida e com as palavras, que Jesus Cristo vive, ama e caminha conosco.

+ Anuar Battisti

Arcebispo Emérito de Maringá, PR 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dia da Pátria: Fé, História e Devoção Nacional

O Dia da Pátria, comemorado em 7 de setembro, é uma oportunidade para refletirmos sobre a construção da nação brasileira e a relação profunda entre a fé cristã e a formação do Brasil. Desde a primeira missa, mas sobretudo a partir da chegada dos jesuítas em 1549, a Igreja Católica desempenhou um papel central na educação, na catequese e na construção da identidade cultural e espiritual do povo brasileiro. Os jesuítas, liderados por São José de Anchieta, foram os primeiros a evangelizar e educar os povos indígenas, estabelecendo escolas e missões que se tornaram pilares na construção do Brasil. A fé cristã foi um elemento unificador em meio à diversidade cultural, ajudando a formar uma identidade nacional enraizada nos valores do Evangelho. Ao longo dos séculos, a Igreja continuou a desempenhar um papel fundamental na vida pública do Brasil, promovendo justiça social, educação, saúde, cuidado dos idosos e desvalidos e a defesa da dignidade humana. A fé cristã foi e continua sendo uma fo...

Jesus ensina com autoridade e expulsa os demônios!

     A liturgia do 4.º Domingo do Tempo Comum reafirma a irreversível decisão de Deus de oferecer aos homens, em cada passo do caminho que percorrem na história, a Vida e a salvação. Os textos bíblicos que neste domingo nos são servidos mostram algumas das estratégias de que Deus se socorre para vir ao encontro dos homens e para lhes apresentar os seus desafios e propostas.      A primeira leitura – Dt 18,15-20 – propõe-nos – a partir da figura de Moisés – uma reflexão sobre a missão profética. O profeta é alguém que Deus escolhe, chama e envia para ser a sua “palavra” viva no meio dos homens. Através dos profetas, Deus apresenta-nos, em linguagem que entendemos, as suas indicações e propostas. O profeta é visto como o mediador entre o Senhor e o povo e como alguém capaz de ler o presente com um olhar iluminado pela luz divina. Por isso, ele deve falar em nome de Deus, acolhendo as palavras que dele recebe. Em nossos dias, como fazem falta autênticos profet...

Caminhemos com Nossa Senhora das Dores nesta semana!

Queridos irmãos e irmãs em Cristo, nesta semana que antecede a Páscoa, a profunda dor e sofrimento que nosso Senhor Jesus Cristo suportou por amor a cada um de nós fica ainda mais em evidência. Esta é a Semana das Dores, uma jornada espiritual que contempla os últimos dias da vida terrena de Jesus, desde a entrada triunfal em Jerusalém até sua crucificação e morte. É importante lembrar que Jesus não foi apenas um homem de grandes ensinamentos e milagres, mas também um homem de dores, que experimentou o sofrimento humano de forma mais profunda. Como nos recorda o profeta Isaías: “Ele foi desprezado e rejeitado pelos homens; homem de dores e que sabe o que é padecer” (Isaías 53,3). Durante esta semana, acompanhamos Jesus em sua jornada rumo ao Calvário. Recordamos sua agonia no Jardim do Getsêmani, quando suou gotas de sangue e clamou ao Pai, dizendo: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua” (Lucas 22, 42). Jesus enfrentou o medo e a...