A Ação Litúrgica da Sexta-feira Santa, celebrada tradicionalmente às 15h, é uma das celebrações mais solenes e comoventes do calendário litúrgico cristão. Nesse dia, a Igreja silencia o altar e se reveste de luto e contemplação, pois celebra a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, o justo que se entregou pelos pecadores. Não se trata de uma missa, pois a Igreja se abstém da Eucaristia neste dia; em vez disso, realiza-se uma ação litúrgica marcada por sobriedade, reverência e profunda espiritualidade, centrada na cruz redentora.
A hora das 15h tem profundo significado bíblico e espiritual. Os evangelhos relatam que foi nesse momento que Jesus expirou na cruz: “Por volta da hora nona, Jesus bradou em alta voz: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’ [...] E, clamando outra vez com voz forte, Jesus entregou o espírito” (Mt 27,46.50). A tradição da Igreja escolheu essa hora para celebrar a Paixão do Senhor, unindo-se ao sacrifício do Cristo no Calvário com amor, compaixão e reverência.
A celebração se divide em três partes: Liturgia da Palavra, Adoração da Cruz e Comunhão Eucarística. A primeira parte inicia-se em silêncio, com o sacerdote e os ministros prostrando-se diante do altar, gesto que expressa a humildade e o profundo recolhimento diante do mistério da morte de Cristo. A assembleia se une em silêncio, num clima de penitência. Em seguida, são proclamadas as leituras bíblicas, culminando com a narrativa da Paixão segundo São João (Jo 18,1 – 19,42), marcada por sua densidade teológica e simbólica. Esse evangelho apresenta Jesus como o Servo sofredor e glorioso, que reina do alto da cruz e entrega sua vida com liberdade e amor: “Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo” (Jo 10,18).
Após a homilia, segue-se a Oração Universal, que neste dia adquire uma forma ampliada e solene. A Igreja reza por todos: pelos fiéis e pelos ministros, pelos catecúmenos e pelos que não creem em Cristo, pelos que governam as nações e pelos que sofrem. É um momento de profunda intercessão, em que o Corpo de Cristo, em comunhão com o Cabeça crucificado, estende seu olhar compassivo sobre toda a humanidade. Como diz a Carta aos Hebreus: “Cristo, nos dias de sua vida terrena, dirigiu preces e súplicas com forte clamor e lágrimas àquele que podia salvá-lo da morte.” (Hb 5,7)
Na segunda parte da celebração, realiza-se a solene Adoração da Santa Cruz. Um crucifixo é apresentado à assembleia, e o sacerdote canta por três vezes: “Eis o lenho da cruz, do qual pendeu a salvação do mundo”, ao que os fiéis respondem: “Vinde, adoremos”. Em seguida, cada fiel se aproxima para venerar a cruz com um gesto de respeito: um beijo, uma genuflexão ou uma inclinação. Nesse momento, a cruz, instrumento de morte, revela-se árvore da vida, sinal de esperança e salvação. Como ensina São Paulo: “Nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1Cor 1,23). E ainda: “Quanto a mim, que eu me glorie somente na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6,14).
A terceira e última parte da celebração é a Comunhão Eucarística. Embora não haja consagração neste dia, a assembleia comunga com hóstias consagradas na Missa da Ceia do Senhor, na noite anterior. Esse gesto expressa a comunhão com o sacrifício de Cristo e a unidade do Corpo Místico. A Eucaristia, mesmo celebrada em silêncio e luto, permanece como sinal da vitória do amor sobre o pecado e a morte. Após a comunhão, tudo é deixado em silêncio. O altar permanece nu, sem toalha, sem cruz, sem luzes. Não há bênção final. A assembleia se retira em silêncio, aguardando a alegria da ressurreição que virá na Vigília Pascal.
A Ação Litúrgica da Sexta-feira Santa nos convida a mergulhar no mistério do sofrimento redentor. A cruz de Cristo revela o coração do Pai, que “tanto amou o mundo, que entregou seu Filho unigênito para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Contemplar a cruz é aprender a linguagem do amor doado até o fim. É reconhecer em Jesus o Servo descrito por Isaías: “Era desprezado, e dele não fazíamos caso. Mas ele tomou sobre si nossas enfermidades, carregou as nossas dores” (Is 53,3-4).
Celebrar a Sexta-feira da Paixão é mais do
que recordar um fato histórico. É viver o mistério da fé que nos salva. É
unir nosso sofrimento ao de Cristo, oferecer nossas cruzes cotidianas
ao Senhor crucificado, e reconhecer que, por suas chagas, fomos curados
(cf. Is 53,5). Ao adorarmos a cruz, somos chamados a carregar a nossa
com generosidade, a seguir Jesus com fidelidade e a confiar que a morte
não tem a última palavra.
Anuar Battisti Arcebispo Emérito de Maringá (PR)
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