O Descendimento da Cruz é uma das cenas mais comoventes da Paixão de Cristo. Após a crucifixão e morte de Jesus, José de Arimateia, acompanhado de Nicodemos, pede a Pilatos o corpo do Senhor para sepultá-lo com dignidade (cf. Jo 19,38-40). Esse momento, frequentemente representado na arte sacra e na piedade popular, revela a grandeza do amor humano diante do mistério divino.
Ao descer Jesus da cruz, seus amigos e seguidores realizam um gesto profundamente simbólico: tiram da cruz não apenas um corpo martirizado, mas expressam, com ternura e reverência, a esperança que ainda pulsa mesmo diante da morte. A Mãe, Maria, recebe novamente o Filho nos braços — desta vez sem vida — repetindo, com lágrimas, o acolhimento feito na Encarnação.
Maria está presente nesse momento, silenciosa e firme, como esteve ao pé da cruz. Seu coração materno transpassado pela espada do sofrimento (cf. Lc 2,35) abraça agora o corpo de Jesus com o mesmo amor com que o envolveu em Belém. Também ali estavam alguns poucos discípulos fiéis, como João e as santas mulheres, que não abandonaram o Senhor em sua hora mais sombria.
O Descendimento da Cruz mostra que, mesmo quando tudo parece perdido, o amor não recua. É esse amor que move José de Arimateia e Nicodemos a desafiarem o medo e a assumirem publicamente sua fé. Eles tocam o corpo de Cristo, perfurado e ensanguentado, com respeito e coragem. Esse gesto fala de um discipulado maduro, que não teme se comprometer com o Crucificado.
Descer Jesus da cruz é reconhecer a sua plena humanidade. É cuidar do seu corpo como se cuida de um ente querido que parte. Em tempos de tantas mortes anônimas, guerras e abandono, esse gesto nos lembra que cada corpo é sagrado, que todo ser humano merece dignidade, inclusive — e sobretudo — na hora da morte.
A tradição cristã sempre viu no Descendimento da Cruz uma antecipação da esperança da ressurreição. Ao cuidar do corpo morto do Senhor, os discípulos demonstram que a última palavra não será da morte, mas do amor. A sepultura não é o fim, mas o limiar de um novo começo.
O Descendimento da Cruz é também um convite para cada cristão: estamos dispostos a permanecer fiéis quando a cruz se torna real? Seremos como José, Nicodemos, Maria e João, que não fugiram do sofrimento, mas permaneceram firmes no amor?
Contemplar esse momento é mergulhar na escola do discipulado autêntico. É aprender a servir o Cristo no sofrimento dos irmãos. É escolher estar com os que sofrem, mesmo quando tudo parece perdido.
Que essa cena nos inspire a descer da cruz tantos irmãos e irmãs crucificados pelas dores do mundo. Que aprendamos a cuidar com reverência de cada vida, conscientes de que em cada um, Cristo continua a ser ferido e, por amor, continua a ser acolhido.
Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)
Comentários
Postar um comentário