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Dom Anuar Batisti
Formado em filosofia no Paraná e em teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, Dom Anuar Battisti é Arcebispo Emérito de Maringá (PR). Em 15 de abril de 1998, por escolha do papa João Paulo II, foi nomeado bispo diocesano de Toledo, sendo empossado no mesmo dia da ordenação episcopal, em 20 de junho daquele ano. Em 2009 recebeu o título de Doutor Honoris Causa, um dos mais importantes, concedidos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Em 2007, foi presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Sagrada, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em 2015, foi membro do Conselho Administrativo da Pastoral da Criança Internacional e, ainda na CNBB, foi delegado suplente. No Conselho Episcopal Latino-Americano atuou como Presidente do Departamento das Vocações e Ministérios, até 2019.

Laudato si’: uma década de conversão ecológica


 Há exatos dez anos, o Papa Francisco nos presenteava com um dos documentos mais proféticos e transformadores de seu pontificado: a encíclica Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum. Publicada em 24 de maio de 2015, ela se revelou um marco não apenas para a doutrina social da Igreja, mas para toda a humanidade, que atravessa tempos de urgência climática e degradação ambiental.

Inspirado no Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis, o Papa nos convida a louvar a Deus pela criação, mas também a reconhecer os danos que estamos infligindo a ela e às gerações futuras. É um chamado à conversão ecológica, expressão que, ao longo desta década, se tornou um apelo central à consciência cristã.

Ao longo desses dez anos, vimos crescer, dentro e fora da Igreja, uma sensibilidade nova. Em muitos lugares, surgiram iniciativas inspiradas pela encíclica: projetos de educação ambiental em escolas católicas, campanhas de reflorestamento, políticas diocesanas de sustentabilidade e até esforços conjuntos com outras religiões e instituições civis. A semente plantada pelo Santo Padre germinou em muitos corações e comunidades.

A Laudato si’ nos recorda que tudo está interligado. A crise ecológica não é separada da crise social. O mesmo sistema que explora a natureza também marginaliza os pobres. O cuidado com o meio ambiente passa, necessariamente, pelo cuidado com o ser humano. Não há ecologia sem justiça social, não há futuro sem solidariedade e responsabilidade compartilhada.

Vivemos em um mundo que muitas vezes se move ao ritmo da indiferença. O consumismo desenfreado, a cultura do descarte, a idolatria do progresso técnico sem limites — tudo isso nos distancia do projeto de Deus para a criação. A encíclica nos ensina a ver o mundo com os olhos do Criador, a amar cada ser criado como parte de uma grande família cósmica.

Neste décimo aniversário, somos chamados a renovar nosso compromisso. Que nossas dioceses, paróquias, comunidades eclesiais de base e pastorais acolham, com mais profundidade, os ensinamentos da Laudato si’. Que sejamos ousados na formação de novos estilos de vida, simples e sustentáveis, como expressão concreta da nossa fé e do testemunho cristão no mundo.

O Papa Francisco nos convoca a uma “espiritualidade ecológica”, enraizada na gratidão e na sobriedade, aberta à admiração e contemplação da beleza da criação. Essa espiritualidade não se restringe a práticas

devocionais, mas se traduz em escolhas cotidianas: no modo como consumimos, como tratamos o lixo, como utilizamos os recursos naturais.

A conversão ecológica é também comunitária. Não se trata apenas de atitudes individuais, mas de um novo modo de viver em sociedade. É preciso questionar modelos econômicos predatórios, resistir à cultura do descarte, fomentar políticas públicas que respeitem o meio ambiente e promovam o bem comum.

Nesse percurso, o papel dos leigos e leigas é fundamental. São eles que, nos mais diversos contextos, podem testemunhar um novo estilo de vida e influenciar positivamente suas famílias, ambientes de trabalho, escolas e comunidades. A Laudato si’ reforça a vocação batismal de cada cristão a ser fermento de transformação no mundo.

Também os consagrados e consagradas, com seu testemunho de simplicidade e comunhão, têm muito a contribuir para essa ecologia integral. Assim como os presbíteros, diáconos, bispos e lideranças pastorais, chamados a integrar esse cuidado com a criação à ação evangelizadora da Igreja.

A juventude é protagonista nesta missão. Os jovens, com sua criatividade, paixão e ousadia, têm encabeçado movimentos por justiça climática e práticas de vida sustentável. A Igreja precisa caminhar com eles, escutá-los e dar espaço para que liderem iniciativas inspiradas na encíclica.





Na vida litúrgica da Igreja, a dimensão ecológica também pode se manifestar. Liturgias que valorizem os elementos naturais, tempos litúrgicos que favoreçam a reflexão sobre a criação, festas patronais que promovam o cuidado ambiental — tudo isso contribui para uma espiritualidade enraizada na realidade e comprometida com a vida.

A formação permanente do clero e dos agentes de pastoral deve incluir os princípios da Laudato si’. Não como um conteúdo teórico, mas como parte da vida espiritual e do discernimento pastoral. O cuidado com a criação não é um tema lateral, mas expressão concreta do amor cristão.

A encíclica também nos convida ao diálogo com as ciências, com outras religiões, com o mundo da política e da economia. Trata-se de uma proposta de encontro e convergência em torno de valores fundamentais: a dignidade da vida, o respeito à criação, a responsabilidade intergeracional, a justiça e a paz.

Que este décimo aniversário seja, para a Igreja no Brasil e no mundo, um tempo de renovação. Que cada comunidade se pergunte: de que forma estamos cuidando da nossa casa comum? Quais mudanças somos chamados a realizar? Como podemos testemunhar, com mais coerência, o Evangelho da criação?

Que o Espírito Santo nos conduza nesta caminhada. Que Maria, Mãe da Igreja e Rainha da Criação, interceda por nós. Que São Francisco de Assis continue nos inspirando com sua vida de pobreza, humildade e amor universal.

E que a Laudato si’, mesmo uma década depois, continue ressoando em nossos corações como um cântico de esperança, de responsabilidade e de compromisso cristão com a vida em plenitude para todos.

Anuar Battisti Arcebispo Emérito de Maringá (PR) 

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