Na palavra de Deus que nos é proposta neste décimo quinto domingo do Tempo Comum, ecoa uma questão fundamental para todos os homens e mulheres que se preocupam com o sentido da existência: o que devemos fazer para encontrar a vida eterna? As respostas que nos são oferecidas ajudam-nos a definir os caminhos que devemos percorrer ao longo da nossa peregrinação pela terra. O tema central é o ensinamento de Jesus, que revela ao mestre da Lei, e a cada um de nós hoje, o amor incondicional e caminho que nos leva a Deus.
No Evangelho – Lc 10,25-37 –, Jesus ajuda um “mestre da Lei” a perceber que a vida deve ser construída à volta de dois eixos fundamentais: o amor a Deus e a compaixão pelo “próximo”. Para que as coisas fiquem perfeitamente claras, Jesus conta uma parábola que define claramente quem é esse “próximo”: é qualquer pessoa com quem nos cruzamos e que necessita do nosso cuidado, da nossa solicitude, do nosso amor. Quem vive guiado pelo amor caminha em direção à vida eterna. Jesus é colocado em dificuldade por um mestre da Lei. Ele deseja verificar qual é o ensinamento de Jesus sobre a “posse” da vida eterna. Jesus não abre mão dos Mandamentos, mas repete-os sob a ótica do amor a Deus e ao próximo. Depois, contando-lhe a parábola do “Bom Samaritano”, o Senhor lhe ensina que o “próximo” não se restringe a simpatias ou interesses, grupos ou categorias. Vê-se que a parábola não nos diz nada a respeito da identidade do homem caído à beira da estrada. Nada se diz sobre sua nacionalidade, nem seu nome, nem se era rico ou pobre: “um certo homem”. O próximo é todo aquele que se apresenta ou surge como necessitado no caminho de nossa existência e missão. Esta interpretação da Lei gera vida e nos apresenta o amor incondicional como caminho para construção de uma sociedade justa e fraterna. O amor sem reservas ao próximo é missão e condição necessária para ser, de fato, discípulo de Jesus e ganhar como herança “o dom da vida eterna”.
Na primeira leitura – Dt 30,10-14 –, Moisés lembra aos hebreus prestes a entrar na Terra Prometida que devem, em cada passo da sua vida e da sua história, escutar a voz de Deus, cumprir os preceitos e mandamentos que Deus lhes propôs, converterem-se a Deus com todo o coração e com toda a alma. Se o povo perseverar nesse caminho, encontrará vida e felicidade. A tradição deuteronomista apresenta a importância de escutar a voz do Senhor, acolhê-la e praticar, com fidelidade, seus mandamentos e preceitos. As leis divinas não são impositivas e opressoras, mas desejam a liberdade e a salvação de todo o gênero humano. São uma proposta que está ao nosso alcance e que nos leva ao próprio Deus. A Palavra de Deus não é inacessível, mas está ao alcance de todos os que o amam o Senhor. Seus mandamentos só produzirão efeito quando passarem da palavra escrita para a acolhida no coração.
Na segunda leitura – Cl 1,15-20 –, Paulo apresenta-nos um hino que celebra a grandeza universal de Cristo, aquele que tem soberania sobre toda a criação e que é a cabeça da Igreja. O hino exorta os crentes a fazerem de Cristo a sua referência e a viverem em comunhão com Ele. Por Cristo passa, indubitavelmente, o caminho que conduz à vida eterna. Este hino proclama a centralidade de Cristo na ordem da criação e da redenção da humanidade. Nele e por ele chega até nós a misericórdia de Deus. Seremos imagem de Deus à medida que nos deixarmos modelar pelas palavras e ensinamentos de Jesus.
Deve ficar claro para nós que quem responde à questão sobre a “vida eterna” é a Palavra de Deus, cujo centro é o mandamento do amor a Deus e ao próximo. Mudemos, como pede o Evangelho de hoje, nossa perspectiva: em vez de “quem é meu próximo”, o foco deve estar “em fazer-me próximo”. Fez-se próximo da vítima aquele que teve compaixão e a levantou de uma situação de abondono e desumanidade.
A referência evangélica aos dois religiosos – o sacerdote e o levita – , que não se preocupam com o moribundo caído à beira do caminho, constitui forte crítica à religião que não se preocupa com a realidade em que se insere. Esses religiosos praticam o culto e amam a Deus com palavras, mas não com obras. Religião verdadeira é a que promove um coração compassivo nos fiéis. Do contrário, a religião acaba promovendo alienação e opressão.
Não sejamos indiferentes para com os que sofrem, são perseguidos, padecem perseguições de toda a sorte. Não fechemos nossos olhos diante de tanto sofrimento e abandono dos pequenos e marginalizados. A compaixão, que nos faz sentir a dor do outro, deve despertar a nossa consciência em socorrer todos os que estão caídos e doentes pelos caminhos da vida!
+ Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá, PR
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