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Dom Anuar Batisti
Formado em filosofia no Paraná e em teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, Dom Anuar Battisti é Arcebispo Emérito de Maringá (PR). Em 15 de abril de 1998, por escolha do papa João Paulo II, foi nomeado bispo diocesano de Toledo, sendo empossado no mesmo dia da ordenação episcopal, em 20 de junho daquele ano. Em 2009 recebeu o título de Doutor Honoris Causa, um dos mais importantes, concedidos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Em 2007, foi presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Sagrada, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em 2015, foi membro do Conselho Administrativo da Pastoral da Criança Internacional e, ainda na CNBB, foi delegado suplente. No Conselho Episcopal Latino-Americano atuou como Presidente do Departamento das Vocações e Ministérios, até 2019.

O testemunho do Beato Padre Victor e a santidade que nasce do povo

Celebramos neste ano de 2025 os 120 anos da Páscoa do Beato Francisco de Paula Victor, sacerdote que marcou profundamente a cidade de Três Pontas, MG, e cujo testemunho de fé e serviço continua a iluminar o Brasil. Não pretendo aqui repetir sua biografia, tão conhecida e já celebrada em muitos lugares, mas refletir sobre aquilo que sua vida nos ensina como mensagem perene para a Igreja de hoje.

Quando a Igreja reconhece a santidade de um de seus filhos, ela não apenas enaltece uma pessoa. Ela reconhece que o Espírito Santo age no meio do povo, em situações concretas da história. O Brasil, terra de contrastes, desigualdades e também de fé viva, tem visto nascer figuras luminosas que nos recordam que a santidade não é privilégio de poucos, mas vocação de todos.

Entre os beatos e beatas reconhecidos em nosso país, encontramos homens e mulheres, religiosos e leigos, jovens e adultos, mártires e missionários. Cada um traz uma mensagem particular, mas todos convergem para a mesma certeza: Deus continua a escrever sua obra no coração do povo.

Nesse contexto, o Beato Padre Victor ocupa um lugar singular. Ele não foi mártir, nem fundador de congregação, mas um simples pároco que gastou sua vida servindo integralmente ao povo da Campanha e de Três Pontas. Sua existência humilde nos recorda que a verdadeira grandeza do ministério está na proximidade com o povo e na fidelidade ao Evangelho.

O que mais impressiona em Padre Victor não é a superação das barreiras sociais de seu tempo, mas a serenidade com que transformou essas feridas em oportunidade de evangelização. Ele poderia ter vivido ressentido pelas humilhações sofridas. No entanto, escolheu o caminho do Evangelho: acolheu a todos, dedicou-se à educação, cuidou dos pobres e viveu uma caridade sem limites.

Sua mensagem para nós é clara: o sacerdote é chamado a ser sinal da misericórdia de Deus, não senhor de privilégios. Num mundo marcado por tantas exclusões, seu testemunho ressoa como apelo à Igreja para não se fechar, mas permanecer próxima dos pequenos, servindo-os com generosidade.

A cada ano, milhares de peregrinos se dirigem a Três Pontas, MG, para celebrar Padre Victor. Esse movimento popular nos ensina algo fundamental: o povo de Deus sabe reconhecer a santidade que brota do chão da vida cotidiana. Eles o chamam de “pai”, de “protetor”, de “anjo tutelar”.

Isso nos convida a refletir: o que significa a esperança cristã? Não se trata de otimismo passageiro, mas da confiança de que Deus age, mesmo quando as estruturas humanas parecem nos negar espaço. Padre Victor foi testemunha viva de que a esperança não decepciona (Rm 5,5).

Num tempo em que muitos vivem desanimados diante da violência, das injustiças e das crises sociais, sua memória nos devolve a certeza de que é possível construir fraternidade e paz quando se vive enraizado em Cristo.

Gostaria de ampliar esta reflexão lembrando que Padre Victor não está sozinho. O Brasil tem experimentado, nos últimos anos, o reconhecimento de diversas figuras que se tornaram espelhos da fé do nosso povo.

Lembro-me da coragem dos mártires de Cunhaú e Uruaçu, que derramaram seu sangue no Rio Grande do Norte no século XVII. Penso na Beata Nhá Chica, também mineira, mulher simples, analfabeta, que irradiava fé e confiança em Nossa Senhora. Recordo São Carlos Acutis, que, embora italiano, tem forte devoção no Brasil, especialmente entre os jovens.

Todos eles, ao lado de Padre Victor, nos mostram que a santidade não tem cor, classe social, idade ou fronteiras. É o reflexo da graça de Deus acolhida e vivida com generosidade.

O que Padre Victor nos diz hoje

Se tivesse que resumir sua mensagem para os dias atuais, destacaria três pontos:

1. Humildade que gera fecundidade – Em um mundo que valoriza o poder e a visibilidade, ele nos lembra que a fecundidade do ministério está no serviço silencioso e fiel.

2. Educação como caminho de libertação – Ao dedicar-se à escola, ele intuiu que formar mentes e corações é tarefa essencial para transformar a sociedade.

3. Esperança que não se rende – Mesmo quando discriminado, manteve firme sua confiança em Deus. É lição para tantos que hoje se sentem marginalizados ou esquecidos.

Ao celebrar os 120 anos de sua morte, não falamos apenas de uma memória local de Três Pontas, MG, mas de um patrimônio espiritual para todo o Brasil. Padre Victor continua a falar, não pela eloquência de seus discursos, mas pela coerência de sua vida.

Peçamos a sua intercessão para que a Igreja no Brasil seja cada vez mais missionária, próxima dos pobres e comprometida com a justiça social. Que ele inspire sacerdotes, religiosos, leigos e famílias a viverem a santidade como dom e missão.

Que Três Pontas, MG, cidade abençoada pelo testemunho desse sacerdote, continue a ser lugar de encontro, de fé e de esperança para todo o nosso povo.

+Anuar Battisti Arcebispo Emérito de Maringá (PR)

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