Na Palavra de Deus que hoje nos é proposta, cruzam-se vários temas (a fé, a salvação, a radicalidade do “caminho do Reino”, etc.); mas sobressai a reflexão sobre a atitude correta que o homem deve assumir face a Deus. As leituras convidam-nos a reconhecer, com humildade, a nossa pequenez e finitude, a comprometer-nos com o “Reino” sem cálculos nem exigências, a acolher com gratidão os dons de Deus e a entregar-nos confiantes nas suas mãos.
Na primeira leitura, o profeta Habacuc interpela Deus, convoca-o para intervir no mundo e para pôr fim à violência, à injustiça, ao pecado... Deus, em resposta, confirma a sua intenção de atuar no mundo, no sentido de destruir a morte e a opressão; mas dá a entender que só o fará quando for o momento oportuno, de acordo com o seu projeto; ao homem, resta confiar e esperar pacientemente o “tempo de Deus”. Deus responde ao povo que o justo “viverá por sua fé”. Essa expressão significa que o justo é quem se mantém fiel à Lei de Deus. A salvação do Senhor pode tardar, mas virá. É o pedido ao profeta que escreva tal mensagem em tábuas, não em areia, para que seja bem fixada como lembrete de que a ação de Deus, prometida aos justos, acontecerá, cedo ou tarde! Diante das injustiças e sofrimentos, muitas vezes nos queixamos da Deus, como o profeta, questionando por que ele não intervém. O Senhor nos convida a não desanimar e a ter fé e confiança mesmo em situações difíceis.
O Evangelho – Lc 17,5-10 – convida os discípulos a aderir, com coragem e radicalidade, a esse projeto de vida que, em Jesus, Deus veio oferecer ao homem... A essa adesão chama-se “fé”; e dela depende a instauração do “Reino” no mundo. Os discípulos, comprometidos com a construção do ‘Reino” devem, no entanto, ter consciência de que não agem por si próprios; eles são, apenas, instrumentos através dos quais Deus realiza a salvação. Resta-lhes cumprir o seu papel com humildade e gratuidade, como “servos que apenas fizeram o que deviam fazer”.
Diante da radicalidade exigida por Jesus para segui-Lo os Apóstolos percebem incapacitados para segui-lo. E pedem: “Aumenta a nossa fé” (Lc 17,5). Jesus, chamado aqui de “o Senhor” – fonte de fé! –, responde que, em relação a fé, não se trata de quantidade, mas de autenticidade. A fé, se for autêntica, mesmo que pequena, é capaz de obras maravilhosas e
extraordinárias. O discípulo autêntico, movido pela força da fé, com total disponibilidade, sem exigir recompensas e sem pretensões egoístas. A ação missionária dos discípulos – servos do Reino – não é um contrato de trabalho, no qual o patrão paga pelos serviços prestados. O servo cristão age pela fé genuína e pela alegria de trabalhar para Deus, em favor de seu Reino. Os servos não são inúteis – como se lê no versículo 10, em muitas traduções da Bíblia – mas servos úteis e agradáveis a Deus pelo seu trabalho generoso e desinteressado. Somos, sim, servos humildes e simples da vinha do Senhor, por isso devemos cumprir o nosso dever com simplicidade e despojamento!
A fé nos ajuda a fazer obras semelhantes às de Jesus. Ela não nos acomoda, mas nos faz olhar para a frente. Quando estamos impregnados da autêntica fé, pomo-nos a serviço do Reino de Deus de forma gratuita e sem murmuração.
A segunda leitura – 2Tm 1,6-8.13-14 – convida os discípulos a renovar cada dia o seu compromisso com Jesus Cristo e com o “Reino”. De forma especial, o autor exorta os animadores cristãos a que conduzam com fortaleza, com equilíbrio e com amor as comunidades que lhes foram confiadas e a que defendam sempre a verdade do Evangelho. O apelo de São Paulo é para que não desanimarmos nem nos envergonharmos de anunciar o Evangelho. São Paulo cita a expressão de Hab 2,4 – “o justo viverá por sua fé” – em suas cartas – Rm 1,17; 3,21s; Gl 3,11 –, mas em outro contexto e revestida de novo sentido e nova intenção. Pede-nos que nos guardemos o “depósito da fé”, a fim de não esmorecermos diante dos obstáculos. O dom do Espírito que habita em nós é o que fortalece a nossa fé.
Vivamos, intensamente, o Mês Missionário, cujo tema é “Missionários da Esperança entre os povos” e o lema “A esperança não decepciona” (Rm 5,5).
+ Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá, PR
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