Neste Domingo de Ramos, damos início à Semana Santa, o tempo em que relembramos os momentos cruciais da vida, da paixão e da ressurreição de nosso Senhor. Hoje, a liturgia nos convida a acompanhar Jesus em sua entrada triunfal em Jerusalém, um episódio que, apesar de ser marcado por aclamações de “Hosana!”, prenuncia o mistério da cruz. Assim, somos chamados a meditar sobre a profundidade do amor de Deus e a complexidade do coração humano diante do mistério salvador.
No evangelho de João, somos apresentados a esta cena com as palavras: “Chegou à multidão que ia a Jerusalém, aclamando: ‘Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel!” (João 12,12-13)
Essas palavras não apenas narram um evento histórico, mas nos desafiam a compreender o significado da aclamação e da esperança que se mistura com o anúncio de redenção.
Os ramos que hoje carregamos transcendem o mero simbolismo floral. Eles são emblemas da vida que se renova, da esperança plantada por cada um que anseia por transformação. Lembramos das antigas tradições que celebravam a chegada da primavera, momento de renovação na natureza, e encontramos nela a mesma mensagem que Cristo nos traz: o convite à renovação espiritual.
Ao brandir os ramos e clamar “Hosana!”, a multidão manifesta a crença de que a vinda de Jesus inaugura uma nova era de salvação. Essa expressão de júbilo carrega, em si, a promessa de que, assim como as folhas se renovam, nossos corações também podem ser regenerados pela graça divina. Em momentos de oração, ecoa o clamor do salmista: “Renova-me, ó Deus, um espírito reto dentro de mim.” (Salmo 51,12)
Esse apelo à renovação é um lembrete de que nossa caminhada cristã exige abertura para a mudança, permitindo que a presença de Cristo transforme nossas fragilidades em instrumentos de amor e misericórdia.
A entrada de Jesus em Jerusalém é, à primeira vista, um momento de vitória e aclamação. Contudo, o evangelho nos alerta para a complexidade deste evento, que contém em si a semente de uma futura tragédia. Em João 12,19, vemos que, embora a multidão o celebrasse, também havia incerteza
e questionamento: “Disseram, pois, uns aos outros: Quem é este que vem?” (João 12,19)
Esse versículo revela que, por trás do entusiasmo inicial, havia dúvidas, uma hesitação que prenunciava a rejeição iminente. Essa contradição é um retrato fiel da condição humana: tendemos a celebrar os momentos de esperança e, em seguida, nos permitir ser dominados pelo medo e pela dúvida quando o mistério se adensa. Assim, o Domingo de Ramos é um convite para que cada um de nós examine o próprio coração. Somos convidados a refletir: Será que, ao aclamar o nome do Senhor, realmente estamos dispostos a reconhecer e abraçar a totalidade de Sua missão, mesmo quando ela nos leva pelos caminhos aparentemente árduos da cruz?
Ao meditar sobre este dia, somos chamados a olhar para dentro de nós e a reconhecer as nossas fragilidades. A jornada de fé que iniciamos hoje não se resume à euforia da aclamação, mas se confirma na profunda transformação interna que acompanha a verdadeira conversão. O apóstolo Paulo nos adverte em sua carta aos Romanos: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que possam experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12,2)
Essa passagem nos desafia a abandonar os moldes do conformismo e a permitir que a luz de Cristo ilumine e transforme nossas perspectivas. Assim como os ramos, que passam por um processo de renovação e se tornam símbolos de vida, nós também somos chamados a deixar para trás hábitos e atitudes que afastam nossa comunhão com Deus. Convidados à conversão, precisamos reconhecer que a verdadeira aclamação ao Senhor se manifesta não apenas em momentos de júbilo, mas sobretudo na coragem de enfrentar nossas limitações e de abrir espaço para a graça transformadora.
Ao entrarmos neste tempo sagrado, somos convidados a acompanhar Cristo em todas as fases de sua jornada: a entrada em Jerusalém, a paixão e, por fim, a ressurreição que renova a esperança de toda a humanidade. Este é um tempo de contradições, em que o júbilo dos ramos se mistura à dor da cruz. É precisamente nessa tensão que se revela a profundidade do mistério cristão: a vitória do amor sobre a dor, a luz sobre as trevas.
Devemos, portanto, encarar o Domingo de Ramos como o primeiro passo de um caminho que nos desafia a sermos verdadeiros discípulos, prontos para acolher tanto os momentos de aclamação quanto aqueles de profunda introspecção e transformação. Que possamos encontrar no exemplo de Jesus — o rei humilde que escolheu a simplicidade e a entrega total — a inspiração para viver uma fé autêntica, que se manifesta na coragem de enfrentar o desconhecido e na certeza de que, mesmo na adversidade, a graça de Deus nos acompanha.
Ao concluirmos esta reflexão, convido cada um de vocês a internalizar o simbolismo dos ramos e a aclamação de “Hosana!” como um chamado à renovação e à conversão contínua. Que este Domingo de Ramos não seja apenas um dia de festa, mas o início de uma jornada profunda de transformação interior. Que as palavras do evangelho e dos salmos nos acompanhem e fortaleçam, lembrando-nos que, no coração da escuridão, a luz de Cristo sempre prevalece.
Que a celebração de hoje nos motive a deixar que o Espírito Santo renove nossas mentes e fortaleça nossas almas, para que possamos viver a verdade do evangelho com fidelidade e amor, anunciando em nossas vidas que o Senhor é o rei que, mesmo vindo em simplicidade, nos conduz à vitória definitiva da ressurreição. Amém.
+ Anuar Battisti Arcebispo Emérito de Maringá (PR)
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