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Dom Anuar Batisti
Formado em filosofia no Paraná e em teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, Dom Anuar Battisti é Arcebispo Emérito de Maringá (PR). Em 15 de abril de 1998, por escolha do papa João Paulo II, foi nomeado bispo diocesano de Toledo, sendo empossado no mesmo dia da ordenação episcopal, em 20 de junho daquele ano. Em 2009 recebeu o título de Doutor Honoris Causa, um dos mais importantes, concedidos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Em 2007, foi presidente da Comissão para os Ministérios Ordenados e a Vida Sagrada, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em 2015, foi membro do Conselho Administrativo da Pastoral da Criança Internacional e, ainda na CNBB, foi delegado suplente. No Conselho Episcopal Latino-Americano atuou como Presidente do Departamento das Vocações e Ministérios, até 2019.

Hosana ao Filho de Davi!



 Queridos irmãos e irmãs em Cristo,

Neste Domingo de Ramos, damos início à Semana Santa, o tempo em que relembramos os momentos cruciais da vida, da paixão e da ressurreição de nosso Senhor. Hoje, a liturgia nos convida a acompanhar Jesus em sua entrada triunfal em Jerusalém, um episódio que, apesar de ser marcado por aclamações de “Hosana!”, prenuncia o mistério da cruz. Assim, somos chamados a meditar sobre a profundidade do amor de Deus e a complexidade do coração humano diante do mistério salvador.

No evangelho de João, somos apresentados a esta cena com as palavras: “Chegou à multidão que ia a Jerusalém, aclamando: ‘Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel!” (João 12,12-13)

Essas palavras não apenas narram um evento histórico, mas nos desafiam a compreender o significado da aclamação e da esperança que se mistura com o anúncio de redenção.

Os ramos que hoje carregamos transcendem o mero simbolismo floral. Eles são emblemas da vida que se renova, da esperança plantada por cada um que anseia por transformação. Lembramos das antigas tradições que celebravam a chegada da primavera, momento de renovação na natureza, e encontramos nela a mesma mensagem que Cristo nos traz: o convite à renovação espiritual.

Ao brandir os ramos e clamar “Hosana!”, a multidão manifesta a crença de que a vinda de Jesus inaugura uma nova era de salvação. Essa expressão de júbilo carrega, em si, a promessa de que, assim como as folhas se renovam, nossos corações também podem ser regenerados pela graça divina. Em momentos de oração, ecoa o clamor do salmista: “Renova-me, ó Deus, um espírito reto dentro de mim.” (Salmo 51,12)

Esse apelo à renovação é um lembrete de que nossa caminhada cristã exige abertura para a mudança, permitindo que a presença de Cristo transforme nossas fragilidades em instrumentos de amor e misericórdia.

A entrada de Jesus em Jerusalém é, à primeira vista, um momento de vitória e aclamação. Contudo, o evangelho nos alerta para a complexidade deste evento, que contém em si a semente de uma futura tragédia. Em João 12,19, vemos que, embora a multidão o celebrasse, também havia incerteza

e questionamento: “Disseram, pois, uns aos outros: Quem é este que vem?” (João 12,19)

Esse versículo revela que, por trás do entusiasmo inicial, havia dúvidas, uma hesitação que prenunciava a rejeição iminente. Essa contradição é um retrato fiel da condição humana: tendemos a celebrar os momentos de esperança e, em seguida, nos permitir ser dominados pelo medo e pela dúvida quando o mistério se adensa. Assim, o Domingo de Ramos é um convite para que cada um de nós examine o próprio coração. Somos convidados a refletir: Será que, ao aclamar o nome do Senhor, realmente estamos dispostos a reconhecer e abraçar a totalidade de Sua missão, mesmo quando ela nos leva pelos caminhos aparentemente árduos da cruz?

Ao meditar sobre este dia, somos chamados a olhar para dentro de nós e a reconhecer as nossas fragilidades. A jornada de fé que iniciamos hoje não se resume à euforia da aclamação, mas se confirma na profunda transformação interna que acompanha a verdadeira conversão. O apóstolo Paulo nos adverte em sua carta aos Romanos: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que possam experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12,2)

Essa passagem nos desafia a abandonar os moldes do conformismo e a permitir que a luz de Cristo ilumine e transforme nossas perspectivas. Assim como os ramos, que passam por um processo de renovação e se tornam símbolos de vida, nós também somos chamados a deixar para trás hábitos e atitudes que afastam nossa comunhão com Deus. Convidados à conversão, precisamos reconhecer que a verdadeira aclamação ao Senhor se manifesta não apenas em momentos de júbilo, mas sobretudo na coragem de enfrentar nossas limitações e de abrir espaço para a graça transformadora.

Ao entrarmos neste tempo sagrado, somos convidados a acompanhar Cristo em todas as fases de sua jornada: a entrada em Jerusalém, a paixão e, por fim, a ressurreição que renova a esperança de toda a humanidade. Este é um tempo de contradições, em que o júbilo dos ramos se mistura à dor da cruz. É precisamente nessa tensão que se revela a profundidade do mistério cristão: a vitória do amor sobre a dor, a luz sobre as trevas.

Devemos, portanto, encarar o Domingo de Ramos como o primeiro passo de um caminho que nos desafia a sermos verdadeiros discípulos, prontos para acolher tanto os momentos de aclamação quanto aqueles de profunda introspecção e transformação. Que possamos encontrar no exemplo de Jesus — o rei humilde que escolheu a simplicidade e a entrega total — a inspiração para viver uma fé autêntica, que se manifesta na coragem de enfrentar o desconhecido e na certeza de que, mesmo na adversidade, a graça de Deus nos acompanha.

Ao concluirmos esta reflexão, convido cada um de vocês a internalizar o simbolismo dos ramos e a aclamação de “Hosana!” como um chamado à renovação e à conversão contínua. Que este Domingo de Ramos não seja apenas um dia de festa, mas o início de uma jornada profunda de transformação interior. Que as palavras do evangelho e dos salmos nos acompanhem e fortaleçam, lembrando-nos que, no coração da escuridão, a luz de Cristo sempre prevalece.

Que a celebração de hoje nos motive a deixar que o Espírito Santo renove nossas mentes e fortaleça nossas almas, para que possamos viver a verdade do evangelho com fidelidade e amor, anunciando em nossas vidas que o Senhor é o rei que, mesmo vindo em simplicidade, nos conduz à vitória definitiva da ressurreição. Amém.

+ Anuar Battisti Arcebispo Emérito de Maringá (PR)

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